quinta-feira, 16 de julho de 2009

As Capullanas

As “capullanas” foram mulheres especiais que, em número reduzido, puderam chegar ao governo de um povoado, ao longo da história dos tallanes. Segundo os documentos coloniais, a presença da mulher na hierarquia dos “curacazgos” se apresentava em casos especiais: morte do “curaca” (cacique), ausência por viagens ou falta dos homens.
Estas situações excepcionais se deram, sobretudo, durante as contínuas conquistas que sofreram os tallanes (por obra dos chimús, incas e espanhóis).
Assim, muitos grupos de “mitimaes” (pessoas enviadas a um lugar estranho para cumprir uma tarefa estatal) partiram contra sua vontade a outras terras ou morreram em batalhas. Possivelmente, em função destes fatores que causaram diminuição da população masculina, as mulheres acabaram por assumir o comando.
Desta forma, o povo tallan privilegiava a linhagem e a posição social de seus governantes, desconsiderando a questão do gênero.
A história nos conta que as capullanas se destacavam do resto da população pela sua capacidade administrativa.
No vale do Chira, algumas capullanas foram guerreiras, chegando a esse nível devido à carência de homens guerreiros. Estas importantes senhoras foram a versão feminina do “Curaca” (cacique) e tiveram seus mesmos privilégios, ou seja, viver das redistribuições, desfrutar de períodos de festividades com prolongado ócio, ser transladadas em liteiras e escolher vários maridos entre o povo ou entre as linhagens nobres.
As crônicas deixaram testemunhos escritos da presença destas mulheres singulares em terra tallan. Pizzarro e seus cronistas relatam, em 1528, que foram recebidos por uma capullana que o convidou a comer carne e peixe, condimentados de diferentes maneiras, e muitas frutas.

A extraordinária história destas mulheres guerreiras, que tanto marcaram a cultura e a vida dos povos do norte do Peru me cativou, assim que descobri sua saga.
Minha série de obras, dedicadas às Mulheres Tallanes, é uma homenagem, realizada na mesma técnica e arte que sustentaram a expressão pré-colombiana em toda sua pujança - a Arte Cerâmica -, um singelo tributo à mulher americana em sua raiz original e sua força essencial.

Os Tallanes foram sempre amantes da liberdade.

Não pretendiam grandes territórios, nem ambicionaram conquistas.
Constituíram uma das etnias mais prósperas da zona costeira peruana. Organizada em “Curacazgos” (pequenos povoados organizados), desenvolveram seus próprios dialetos locais.
Em algumas regiões existiu um sistema social fortemente matriarcal, onde as “Capullanas” (voz de idioma tallan, que designa a mulher que exerce o mando e poder) exerceram a chefia da comunidade e contaram com o privilégio de escolher seus maridos.
Trata-se de uma das poucas etnias das quais podemos ter maiores informações de sua vida cotidiana, costumes, forma de expressão, pensamentos, crenças e organização social, graças aos testemunhos escritos e registrados pelos cronistas que vieram com os espanhóis, pelos mestiços ou por aqueles que, muitos anos depois de fixados na região, receberam os relatos dos próprios tallanes.
Os grupos Tallanes sofreram várias dominações, mas souberam conservar sempre a sua identidade, seus costumes e crenças. Atualmente, na região norte peruana, muito dos nomes próprios de povos e acidentes geográficos, assim como sobrenomes de piuranos (cidade de Piura), são derivados da língua tallan.
Pode-se afirmar que estas etnias se desenvolveram separadamente, embora conviviam como vizinhos ajudando-se entre si através de relações de diversos tipos: relações comerciais de troca, relações sociais ou de ajuda mútua, por exemplo.
Como a grande maioria das etnias pré-hispânicas, os Tallanes mantinham relações de reciprocidade e redistribuição entre os povoados, além de convênios e acordos entre diversos caciques.
Todos estes fatores determinaram a formação de um grande conglomerado de povoações que conhecemos historicamente como a cultura dos Tallanes ou Tallancas.